Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem
Jorge Visca no contexto de sua Epistemologia Convergente, é o autor desse teste conhecido pela sigla EOCA.A seguir, um fragmento de texto do próprio autor, extraído de seu livro Clínica Psicopedagógica - Epistemologia Convergente. Porto Alegre, Artes Médicas, 1987
Este instrumento inspira-se, por um lado, na psicologia social de Pichon Riviére e, por outro, nos postulados da psicanálise, tomando também a modalidade experimental do método clínico da Escola de Genebra. Mas, diferente de todas elas, se focaliza, sobre a investigação do modelo de aprendizagem, vale dizer naquilo que alguém aprende e aprende a aprender.
A EOCA pretende ser um instrumento simples, espontâneo e rico em seus resultados com aspectos manifestos, em pôr-se em contato com o entrevistado através de uma instrução:
"Gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que te ensinaram e o que aprendeu" e um material também simples que se encontra sobre a mesa e que se oferece ao entrevistado dizendo-lhe mais ou menos como continuação do que se falou antes: "este material é para que você o use se precisar para mostrar-me o que te falei que queria saber de você".
Evidentemente, tanto na instrução quanto nos materiais haverá diferenças segundo se trate de uma criança na fase pré-escolar, de escolaridade primária, de um adolescente ou de um adulto. Para a presente exposição, centrar-me-ei na criança na fase escolar
- folhas pautadas;
- folhas lisas tamanho papel de carta;
- lápis novo sem ponta; apontador
- caneta esferográfica;
- borracha; tesoura
- papel fantasia (em quadrados de 10cm x 10cm);
- régua; marcadores;
- livro ou revista.
Conforme os casos, podem ser acrescentados outros materiais e, em situações muito especiais numa segunda entrevista, que geralmente não é necessária, podem-se incluir alguns jogos com seus regulamentos, etc.
Uma vez proposta a instrução inicial, o entrevistado pode ter diversas formas de reação:
· começar a falar;
· começar a desenhar,
· escrever,
· fazer contas, etc.;
· pedir que lhe digam o que pode fazer;
· ficar paralisado.
Esta primeira forma de resposta já é um dado muito importante que diz, numa leitura sutil, muito sobre o sujeito. Se se verificasse um tipo de reação como a penúltima das enumeradas, depois de animar a criança a fazer o que queira, pode-se empregar um recurso que denomino modelo de alternativa múltipla.
Este modelo consiste numa enumeração não taxativa cuja intenção é unicamente a de desencadear respostas por parte do sujeito; por exemplo, "você pode desenhar, escrever, fazer alguma coisa de matemática ou qualquer outra coisa que lhe venha à cabeça..."
Em todo momento, a intenção é permitir ao sujeito construir a entrevista de maneira mais espontânea, porém dirigida de forma experimental. Interessa observar seus conhecimentos, atitudes, destrezas, mecanismos de defesa, ansiedades, áreas de expressão da conduta, níveis de operatividade, mobilidade horizontal e vertical, etc.
De modo algum se espera um determinado resultado ou se espera que não ocorra determinada situação, mas simplesmente se está diante de uma situação por descobrir ou revelar.
Uma vez que o entrevistado mostrou como opera em relação a algo, o entrevistador se limita a pedir-lhe que lhe mostre outra coisa: "você já me mostrou como desenha, agora eu gostaria que me mostrasse outra coisa qualquer que não seja desenhar" e assim sucessivamente. Mas esta atitude de relativa passividade do entrevistador não implica que o mesmo deixe de assinalar situações como: "3 vezes 3 são 9" (diante de uma conta) ou "a régua desliza quando você traça uma linha" ou "eu pensei que você ia expor o problema de maneira diferente", etc. Tais intervenções têm por intenção observar:
· a possibilidade de modificação da conduta;
· a desorganização ou reorganização do sujeito;
· as justificações verbais ou pré-verbais;
· a aceitação ou a recusa do outro (assimilação, acomodação, introjeção, projeção), etc.
Durante a EOCA, é importante observar três aspectos:
1. temática;
2. dinâmica;
3. produto.
A temática consiste em tudo o que o sujeito diz, o que terá, como toda conduta humana, um aspecto manifesto e outro latente. É interessante ver como ao lado de uma perfeita organização sintática e uma adequada justificação lógica pode coexistir um mundo de fantasias que distorcem a aprendizagem e as situações em que esta ocorre.
A dinâmica consiste em tudo que o sujeito faz que não é estritamente verbal: gestos, tons de voz, postura corporal, etc. Freqüentemente, a posição na "ponta" da cadeira, a maneira de pegar os materiais, etc. são tão ou mais reveladoras que os comentários e, até mesmo, o produto.
O produto é o que o sujeito deixa plasmado no papel, etc., incluindo até, conforme o caso, a mesma seqüência com que se foram produzindo os resultados.
Estes três níveis de observação são os que darão o primeiro sistema de hipótese, o qual estará formado pelos sintomas (com seus indicadores) e certas idéias de quais são as causas atuais que o provocam.
Com as crianças menores, os materiais podem tender a ser do tipo da massa de modelar, fichas, cubos, etc. e com os adultos a EOCA pode adotar as características de uma conversação, que pode ser complementada com outras atividades. Quando um adulto comenta o que faz revela, entre outros aspectos, seu nível de competência e desempenho, seus temores e satisfações, etc.
Em todos os casos é necessário levar em conta que o que se obtém nesta primeira entrevista é um conjunto de observações, que deverão ser submetidas a uma verificação mais rigorosa, a qual constitui o passo seguinte do processo diagnóstico.
Como dissemos no início, em nossa prática tendemos a utilizar a EOCA no trabalho com adolescentes e adultos, apesar dela não servir exclusivamente para esta clientela.
Em nossa opinião este instrumento é possível de ser utilizado ainda em outras situações, tais como aquelas em que o psicopedagogo está atuando em instituições, realizando trabalhos com professores, funcionários e ou alunos.
Por sua especificidade, pela natureza simples de sua proposta, a EOCA pode ser realizada em grupo, desde que o psicopedagogo estabeleça estratégias de observação que contemple os três aspectos nela envolvidos: a temática, a dinâmica e o produto.
Decerto que a avaliação do produto pode ser encarada como a mais fácil, mas é preciso não esquecer que sua análise está no entender do professor Jorge Visca, estreitamente ligada aos outros aspectos.
Para poder realizar uma boa observação quando atua com grupos, o profissional poderá, por exemplo, fazer uso de um gravador ou de câmeras de filmagem, desde que receba o consentimento dos sujeitos envolvidos. Estes recursos permitirão a análise posterior do material de forma que as primeiras hipóteses possam surgir possibilitando a escolha dos instrumentos que darão prosseguimento ao processo de investigação diagnóstica.
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